À noite, quando a
maioria das pessoas está dormindo, diversas falanges espirituais se desdobram
em trabalhos socorristas de assistência à humanidade encarnada. Devido ao sono,
a queda natural do metabolismo e das ondas cerebrais, o corpo espiritual desprende-se
naturalmente do corpo físico.
Aproveitando-se desse
fato natural e inerente a todo ser humano, muitos amigos espirituais trabalham
nessa hora da noite retirando essas pessoas do seu corpo físico, dando um toque
sensato a elas diretamente em espírito, ou, simplesmente, trabalhando as
energias do assistido com mais liberdade a partir do plano espiritual da vida.
Um dia desses,
durante um trabalho de assistência, estava conversando com um Preto Velho, que
responde nas lidas de Umbanda, pelo nome de pai José da Guiné. Segue o diálogo:
— Pai José, esse
trabalho de assistência na madrugada é enorme, não? O médium umbandista muitas
vezes nem imagina o tamanho dele, não é mesmo?
— É sim fio. Trabalho
grande, toda noite. Mas são poucos que lembram da espiritualidade no dia-dia e
mantém sintonia elevada antes de dormir. Isso acaba por barrar as
possibilidades de trabalho em conjunto conosco, você sabe disso. A maioria dos
médiuns por aí pensam que o único dia de trabalho espiritual é o dia de
trabalho no terreiro. É uma pena.
— É verdade, as
pessoas tendem a se preparar muito para o dia de trabalho no terreiro, mas
esquecem dos outros dias.
— Preparar? Muitas
vezes eles nem se preparam fio. A maioria chega lá cheia de problemas e
preocupações na cabeça. Dá um trabalhão danado acoplar na aura toda encardida
de pensamentos e sentimentos estranhos deles. E nego num tá falando que
preparação é tomar um banho de erva antes do trabalho, não…
— Ué, mas o banho de
erva é importante, não é pai?
— É, claro que é. Mas
num é tudo. Antes do banho de erva, seria melhor um banho de bom-humor, com
folhas de tranqüilidade e flores de simplicidade, hehehe… Isso sim ajudaria.
Num adianta colocar roupa branca, defumar, tomar banho, se o coração tá sujo,
se a boca maldiz, se o rosto está sem alegria e o espírito apagado. Limpeza
interna fio, antes de limpeza externa…
— Tá certo…
— Tá certo, mas você
mesmo muitas vezes num faz isso né, fio? hehehe… Tudo bem, todo mundo tem lá
seus dias ruins, o problema é quando isso se torna constante. Fio, a Umbanda é
muito rica em rituais, em expressões exteriores de alegria e culto a divindade.
Mas isso deve ser utilizado sempre como uma forma de exteriorizar o que de
melhor trazemos dentro de nós. Não uma fuga do que carregamos aqui dentro.
Volta seus olhos pra dentro e lá presta culto aos Orixás. Só depois disso,
canta e dança…
— Quando estiver
participando de um trabalho, esteja por inteiro, em corpo físico, coração e
mente. Não faça das reuniões espirituais um encontro social. Antes de começar
os trabalhos, medita, ora, entra em sintonia com o trabalho que já está
acontecendo. Durante os cantos, busca a sintonia com os Orixás.
Nesse momento, você e
Eles não estão separados pela ilusão da matéria. Tão juntos. Em espírito e
verdade…
— Acompanha as batidas
do atabaque e faz elas vibrarem em todo seu ser. Defuma seu corpo, mas defuma
também sua alma, queimando naquela brasa seu ego, sua vaidade, seu
individualismo, que lhe cega os sentidos.
— Trabalha, aprende,
louva, cresce meu fio. Mas o mais importante: Leva isso pra fora do terreiro!
Lá dentro, todo mundo é filho de pemba, todo mundo tá de branco, todo mundo ama
os Orixás…
— Mas aqui fora, logo
na primeira dificuldade, duvidam e esquecem dos ensinamentos lá recebidos. Aqui
fora, num tem caridade, fraternidade, Orixá, espiritualidade. Mas a Lei de
Umbanda não é pra ficar contida no terreiro. A Lei de Umbanda é pra estar
presente em cada ato nosso. Em cada palavra, em cada expressão de nosso ser…
— Percebe fio? Você é
médium o tempo todo, não só no dia de trabalho, mas todo dia. Você é médium até
quando tá dormindo… hehehe...
Pai José fez uma
pausa e eu fiquei a pensar a respeito da responsabilidade do trabalho
mediúnico. De quantos médiuns por aí nem tinham idéia do trabalho espiritual
que as muitas correntes de Umbanda desenvolvem. De como, a vivência de
terreiro, demandava uma mudança interior, uma postura diferente em relação à
vida. Enquanto pensava a respeito, pai José disse:
— É por aí mesmo fio.
A partir do momento que a pessoa internaliza os valores espirituais, um novo
mundo, cheio de novas perspectivas surge. Novas idéias, novos ideais. Uma forma
diferente de encarar a vida. Esse é o resultado do trabalho. A caridade não é
mais uma obrigação, mas torna-se natural e inerente ao próprio ser, assim como
a respiração. A sintonia acontece esteja onde ele estiver, carregando consigo a
Lei da Sagrada Umbanda em seu coração…
— Lembre-se: Aruanda
não é um lugar! Aruanda é um estado de espírito… Você a carrega para onde for.
Isso é trabalho. Isso é sacerdócio. Isso é viver buscando a espiritualização…
— Por isso, meu fio,
faz de cada trabalho espiritual que você participar um passo em direção a esse
caminho. Um passo em direção a unidade com o Orixá. Cada reunião, um passo…
Sempre!
Notas do médium: Pai
José de Guiné é um espírito que há muito tempo eu conheço, trabalhador
incansável nas lidas da cura espiritual. Apresenta-se como um negro, com cerca
de 50 anos, sempre com seu chapéu de palha a cobrir-lhe a cabeça e seu olhar
firme e determinado. Tem um jeito muito direto e reto de falar as coisas sempre
nos alertando a respeito de posturas incompatíveis com o trabalho espiritual. É
um espírito muito bondoso com quem já aprendi muitas coisas.
Fica aí o toque dele,
que muito me serviu, a respeito de levar o terreiro para o nosso dia-dia.
Por
Fernando Sepe
Retirado do Blog
http://blog.orunananda.zip.net/
Olá amigo Denis!
ResponderExcluirExcelente post, como sempre!
Esses ensinamentos são pérolas que devemos guardar no baú de nosso tesouro espiritual!
Grande abraço,
Annapon Coisas da Alma