Certo dia, um filósofo adentra a uma tenda de
Umbanda e senta-se no banquinho de um Preto Velho. Sua intenção era questionar,
investigar; enfim, experimentar.
Ao se sentar, o Preto Velho já sabia o que ele queria,
mas mesmo assim saudou-o gentilmente e perguntou em que poderia ajudar. O
filósofo respondeu:
- Meu Preto Velho, na era da biotecnologia vemos
os cientistas avançarem cada vez mais nas pesquisas referentes à manipulação do
material genético humano. Além disso, estamos na era do multiculturalismo, de
forma tal que a diversidade, inclusive no sentido intelectual, se faz cada vez
mais presente. Pergunto eu: - O que pode um Preto Velho dizer sobre assuntos de
tamanha complexidade?
Preto Velho, com toda sua calma, respondeu
gentilmente ao filósofo:
Misin fio, vós suncê (Sic)
tem palavra bonita na boca, por causa de que tu és homem letrado (Sic).
Nego véio cá, num estudou nem escrevinhou essas coisa. Mas
daqui do meu cantinho, aonde os ventos de Aruanda tocam em meus ouvidos, recebo
as notícias que vem da Terra. Vejo também com meus próprios olhos e presencio
as lágrimas e sorrisos que brotam como flores e espinhos no âmago de meus
filhos.
Vou dizer a vós suncê uma coisa. Esse bicho
chamado “biotecnologia”, eu sei muito bem como funciona. Misin fio,
[bio] vem do grego “bios” = vida. “Téchne” e “Logos”
também vem do grego, fio. Logo, biotecnologia é o conhecimento sobre as
práticas (manipulação) referentes à vida.
Assim sendo, nego véio é a favor de tudo
que respeita a vida e que é usado para o bem. O bem, não só de si mesmo, mas da
humanidade. Uma faca pode ser uma ferramenta de cozinha e ajudar a preparar um
alimento. No entanto, a mesma faca pode ser uma arma a machucar alguém. Não é a
ferramenta, mas sim o que se faz com ela que torna perigosa a humanidade.
Pasmo, o intelectual não sabia o que dizer,
tamanha sua surpresa sobre tão sábias palavras. E não só isto, o conhecimento
até sobre a origem das expressões que vem do grego, aquela humilde entidade
possuía.
Por alguns segundos sentiu um misto de inveja e
indignação, uma vez que pensou ser mais conhecedor sobre as coisas da vida que
o Preto Velho. Daí então indagou:
- Você acha que suas opiniões podem superar a luz
da ciência? Este, respondeu:
- Fio, o que nego véio fala, nego
véio comprova, pois este nego vivenciou. Caminhou na terra que vós
suncê pisa hoje. Sorriu, chorou, se emocionou, amou. Conviveu com homens de
bem e também com homens do mal. Fez suas escolhas e por isso é hoje um espírito
guia. E só pude aqui chegar porque acertei na maioria das escolhas que fiz.
Naquelas em que não acertei, tive que vivenciar novamente, até aprender. Assim
como vós, na Terra.
Quanto aos estudos (risos), esse nego véio aqui
não frequentou escola na última encarnação. Mas, das muitas encarnações que
tive, eu estudei, me formei e, em algumas delas me doutorei. A medicina
chinesa, a filosofia grega, a sabedoria hindu; tudo isso fez parte da minha
evolução. Da matemática egípcia até os estudos astronômicos de Galileu pude
aprender.
E depois de aprender tudo isso, sabe qual o maior
ensinamento que obtive misin fio?!
A ter HU-MIL-DA-DE!
Por isto, doutor, vós me vês na aparência de um
velho escravo brasileiro, semeador das raízes deste lindo país chamado Brasil,
terra da diversidade, da multi culturalidade.
Que cada um
formule a sua moral da história...
Porém,
questione seus conhecimentos e veja se estão alinhados com os propósitos de
simplicidade.
Pois sem ela,
não se faz jus a benção do saber.
Fonte:
Texto do Jornal Nacional de Umbanda
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